terça-feira, 4 de maio de 2010

Tecnica de Violão 1 - Pablo Y Castro

Pode o dedo anular ser tão rápido quanto o indicador? - Levantamento de hipóteses elucidativas acerca da causa da diferença de destreza dos dígitos anular e indicador.

A escola tradicional do violão erudito impõe, ao estudante deste instrumento, a utilização dos quatro primeiros dedos da mão direita (polegar, indicador, médio e anular)[1] na execução instrumental. Quanto à mão esquerda, temos um uso do polegar mais como um “vetor”, um ponto de orientação, enquanto os dedos efetivamente pressionam as cordas. A vivência como instrumentista, bem como o intercâmbio de informações com outros violonistas, fez com que o proponente do presente trabalho notasse que o dedo anular da mão direita apresenta menor destreza em relação aos dedos indicador e médio, da mesma mão. Certamente temos aí um questionamento (sem resposta) de muitos estudantes de violão: Não sabemos ainda se a menor “agilidade” do dedo anular é limitação imposta pela fisiologia do membro superior ou se, com treinamento técnico adequado, o dedo anular pode tornar-se tão “ágil” quanto o indicador.

Buscando possíveis elucidações a esta dúvida, nos lançamos a alguns pequenos estudos da anatomia e da cinesiologia, Por meio de significativas informações obtidas através do auxílio de profissionais capacitados da área[2], além de pesquisas bibliográficas realizadas, conhecemos aspectos concernentes à anatomia e a cinesiologia do membro superior. Desta maneira, pudemos levantar algumas hipóteses elucidativas à questão proposta:

1) A relativa instabilidade do dedo anular devido ao caráter móvel do osso metacarpiano periférico do mesmo.

No esqueleto da mão, notamos a presença de elementos um tanto quanto distintos, quanto à estabilidade espacial apresentada por cada um destes: A fileira distal dos ossos do carpo, bem como o segundo e o terceiro dos ossos metacarpianos, são classificados como fixos, pois são dotados de certo grau de independência, “suficiente para garantir uma flexibilidade discreta, porém ao mesmo tempo que é permitida alguma estabilidade sem rigidez” (MACKIN, 1996:8). Os constituintes móveis incluem as falanges, que formam o esqueleto dos dígitos, e os metacarpianos periféricos (relativos ao polegar, anular e dedo mínimo).

Os metacarpos dos dedos indicador (este mais pronunciadamente) e médio são, portanto, ossos fixos, estáticos, e ligados mais à função de força e estabilidade, exercendo o movimento de oposição conjuntamente ao polegar.

O metacarpo do dedo anular (assim como o dedo mínimo), por sua vez, está mais associado à “forma”, ao “molde” da mão no ato de preensão dos objetos. Ou seja, este metacarpo não possui a estabilidade espacial do anterior. Ele é o responsável pela formação do arco metacárpico (configuração curvada da palma da mão, necessária à preensão dos objetos), diferentemente do metacarpo do indicador, que tem como sua principal função assegurar a força e a estabilidade do membro superior. “O metacarpo do indicador é aquele fixado mais firmemente. O metacarpo do anular é um elemento de mobilidade intermediária em relação ao quinto metacarpo, e possui aproximadamente 10 graus de mobilidade em flexão e extensão”.(MACKIN, 1996:13)

Ao transportarmos tais dados ao universo técnico-violonístico, levantamos a seguinte hipótese: A instabilidade do osso metacarpiano periférico do dígito anular pode constituir-se em algo desfavorável à destreza deste dedo. Neste caso, parte da energia dispensada, ao ferirmos a corda com tal dedo, seria gasta em uma sutil movimentação do metacarpo, já que este apresenta um caráter de mobilidade. Isto não ocorreria aos dedos indicador e médio, pois estes têm ossos metacarpianos fixos, o que permitiria que a energia fosse integralmente utilizada para a movimentação das falanges. Isto potencializaria este movimento em relação ao anterior.

2) A variação quantitativa do estímulo exercido sobre os dígitos analisados.

Como sabemos, os dedos indicador e médio são, por excelência, os dígitos envolvidos, na maioria das vezes, aos movimentos de oposição, realizado conjuntamente ao polegar (uma das diferenciações cinesiológicas entre o homem e o macaco). Assim sendo, praticamente todas as movimentações manuais que nos acompanham durante toda a nossa existência são exercidas por meio dos dedos polegar, indicador e médio, em detrimento do uso dos dedos anular e mínimo. Verificamos, assim, uma diferença de estímulo exercido sobre os diferentes dígitos. Vejamos o expresso por MACKIN (1996:15): “Os dedos anular e mínimo em geral trabalham juntos com os outros nas pinças de força contra a palma. Eles desempenham um papel mais estático e, com demasiada freqüência, permanecem 'na reserva'“. Assim, podemos inferir que o dedo anular, por receber menos estímulos que o indicador, desenvolve menor destreza.

É sabido ainda que o dedo indicador possui um tendão extensor a mais que os dedos médio, anular, e mínimo. Porém, segundo a fisioterapeuta Patrícia Alejandra E.C. Leal, tal fato não exerce influência sobre o aspecto de agilidade dos dígitos e, desta maneira, descartamos esta possibilidade.

Considerando-se válida a primeira hipótese exposta, então concluímos que, mesmo se exercitarmos o dedo anular de forma intensa, o mesmo não pode chegar ao nível de agilidade do dedo indicador, dada a limitação física inerente ao dedo anular (a instabilidade do osso metacarpiano periférico deste dígito).

Se, por outro lado, comprova-se a veracidade de nossa segunda hipótese, temos então que, aplicando-se mais estímulos ao dedo anular, o mesmo poderia ter sua agilidade aumentada. Porém, podemos também inferir que, levando-se em consideração todas as atividades manuais desenvolvidas pelo ser humano (que envolvem o movimento de oposição), no período inteiro de sua vida, nunca teríamos uma preponderância de estímulos ao dedo anular, em detrimento do indicador.

Certamente um volume considerável de pesquisa nesta área é necessário, para que tenhamos uma resposta de fato conclusiva.à questão referente à diferença de destreza entre os referidos dedos. Mas, se nos basearmos nos dados que conseguimos colher com este breve trabalho de investigação, chegamos a uma premissa destinada aos estudantes de violão: O treinamento técnico do dedo anular, ainda que resulte em um aumento considerável da agilidade do mesmo, nunca proporcionará, a este dedo, um nível de destreza equivalente ao do dedo indicador.

Referências Bibliográficas

MACKIN, Evelyn et al. Diagnóstico clínico da mão e do punho. Trad.: Giuseppe Taranto. Rio de Janeiro: Interlivros, 1996.

SANTOS, Turíbio. Heitor Villa-Lobos e o violão. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1975.


[1] O dedo mínimo (simbolizado pela letra “c”, do espanhol “chico”) não é tradicionalmente utilizado na execução tradicional do violão clássico. Seu uso é visto, por exemplo, na técnica de “guitarristas” flamencos, em técnica como os rasgueados. Alguns violonistas de música popular como, por exemplo, Aníbal Augusto Sardinha (o popular “Garoto”) também utilizaram o dedo mínimo na execução de algumas peças. Tudo indica que Heitor Villa-Lobos, a exemplo destes, utilizava o dedo mínimo ao tocar violão. Isto talvez explique a recorrência de acordes de cinco notas em algumas de suas obras, o que já fora já encarado, por Segóvia como algo anti-violonístico. “Segóvia explicou que, por exemplo, o dedo mínimo direito não era usado no violão clássico” (SANTOS 1975:11).

[2] Patrícia Alejandra E.C. Leal (supervisora do setor de Fisioterapia do Hospital das Clínicas da Unicamp) foi a principal profissional que nos auxiliou neste quesito.



A presente explanação é parte integrante do relatório final da pesquisa de iniciação científica intitulada “Heitor Villa-Lobos e os Prelúdios para violão solo: Análise do processo de criação”. Tal trabalho foi desenvolvido por Pablo Y Castro (no departamento de Música – IA – Unicamp), no período de agosto de 2003 e julho de 2004, através de concessão da bolsa CNPq e auxílio FAEP.


Pablo Y Castro é bacharel em Música e Mestre em Educação Musical pela Unicamp. É educador musical há 15 anos, já tendo lecionado em diversas instituições de ensino médio e superior (Unicamp, Projeto Guri, cursos pré-vestibulares, Conservatório de Música Popular Cidade de Itajaí), oficinas e Festivais de Música (Festival de Música Popular de Itajaí-SC). Como instrumentista, já foi solista frente à Orquestra Sinfônica da Unicamp e tocou ao lado de importantes artistas, tais como Benjamin Taubkin, Odette Ernst-Dias e Ivaldo Bertazzo. Possui três livros sobre Educação Musical, artigos publicados em revistas científicas da área e já concedeu entrevistas sobre Ensino Musical em canais de TV e rádio. Atualmente, atua como perito criminal em Fonética Forense e leciona as disciplinas de Apreciação Musical e Percepção Auditiva no Conservatório de Música Popular Cidade de Itajaí desde o ano de 2007, através de convênio firmado entre este e a Unicamp.

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